Perdigão, R.A.P. (2022): Segurança da Informação, do Cidadão à Nação: Enfrentando Desafios Emergentes com Física Tecnológica, do Quantum ao Não-Linear. DOI: https://doi.org/10.46337/div.220214.

© 2022 RUI A. P. PERDIGÃO – ALL RIGHTS RESERVED

Arquivo de autor. Divulgação na SIC Notícias em 2022.02.14.


A segurança da informação e as vulnerabilidades associadas têm estado na ordem do dia. Na ponta do icebergue desta problemática, o cidadão sente de imediato colocada em causa a reserva de privacidade e a degradação da qualidade e segurança da informação e comunicação de que depende para as atividades do dia-a-dia, já de si de crucial relevância.

Todavia, os desafios não se ficam por ali. Há toda uma infraestrutura de armazenamento de informação, seu processamento e comunicação de cuja segurança e fiabilidade dependem sectores nevrálgicos da engrenagem da sociedade moderna: como por exemplo os sistemas de comunicação para emergências (médicas, proteção civil e ambiental, entre outras), os sistemas de transporte e informação geográfica, os sistemas de comunicação da área financeira na espinha dorsal das transações do dia-a-dia, e naturalmente os sistemas de telecomunicações em geral. Há ainda a destacar a preservação de valores cruciais como o direito à informação, a segurança e integridade dos processos democráticos, de administração interna, de justiça, de defesa e soberania, relevando desde o bem estar do cidadão à segurança da nação.

Na nossa conversa de hoje convido-vos a encarar estes desafios com esperança e pragmatismo, porquanto a sua superação é exequível através do papel crescente da física da informação e da complexidade, aliando tecnologias quânticas e não-lineares emergentes, pelo bem comum da sociedade e do meio ambiente.

Comecemos por fazer um breve ponto de situação por forma a interligar o que vimos anteriormente com o contexto diferente que vamos ver hoje.

De volta à Física Tecnológica de Fronteira, agora com outros fins

Em duas das minhas intervenções anteriores “Tomando o Pulso Quântico ao Planeta” (Perdigão, 2021A) e “Saltos Quânticos nas Ciências da Complexidade: do Cerne Físico ao Ambiente e Sociedade” (Perdigão, 2021B) falei-vos da nova geração de tecnologias que temos vindo a desenvolver, aliando o mundo quântico ao não-linear. A primeira comunicação com especial ênfase em aplicações concretas relativamente à detecção remota e alerta precoce de dinâmicas geofísicas e espaciais incluindo eventos extremos (a partir da nossa constelação Meteoceanics QITES). E a segunda com especial ênfase nas valências ao nível da física da informação com relevância direta para análise, modelação e computação de dinâmicas de sistemas complexos, da física fundamental ao ambiente e sociedade. Estes e outros aspetos são trabalhados em maior detalhe na minha mais recente monografia a chegar: “Quantum Leaps in Complex System Sciences and Technologies” (Perdigão, 2022).

Vejamos em que medida a física tecnológica de fronteira pode ajudar a resolver questões cruciais de segurança da informação que dão o mote da conversa de hoje. Focando em alguns aspetos essenciais e inovadores, mas sem pretensões de elencar no presente artigo todas as dimensões do problema até à exaustão. Um tratamento mais detalhado da ciência, tecnologia e inovação subjacentes surge naturalmente em sede própria, incluído na monografia acima mencionada.

Encriptação segura? A segurança já não é o que era

Uma forma expedita, prática e tradicionalmente robusta de proteger conteúdos informativos tem passado pela codificação dos mesmos na forma de dados encriptados com chave de segurança ou cifra de elevada complexidade, tanto a nível descritivo (extensão canónica da cifra) como algorítmico (sofisticação do formalismo matemático gerador da cifra) e computacional (protocolo subjacente ao processo). O objetivo tem sido assim facultar uma cifra de complexidade tal que o número de combinações possíveis a testar para a adivinhar fosse demasiado elevado para tal ser exequível pelos recursos computacionais existentes.

É nessa base de confiança que têm vindo a operar sistemas avançados de informação e segurança, desde a banca à defesa, passando por todo e qualquer sector em que seja crucial manter a reserva de dados tanto em termos de armazenamento (ficheiros residentes em plataformas informáticas) como de transmissão em vias de comunicação (envio de mensagens cifradas para que quem porventura as intercepte não as consiga descodificar).

Todavia, a emergência e proliferação dos sistemas de computação de alto rendimento, aliada ao potencial fenomenal proporcionado pela computação quântica, têm vindo a tornar cada vez mais acessível quebrar protocolos de encriptação. Mesmo de forma direta e exaustiva, varrendo e arrasando sistemas com um número astronómico de explorações combinatórias de acesso, o que até recentemente seria uma tarefa impraticável. Assim, aquilo que levaria milhares de anos a decifrar com computação tradicional é hoje exequível de forma expedita, especialmente quando o processo é alavancado pelas extraordinárias valências das tecnologias quânticas. Desde a capacidade de operar sobreposições simultâneas de múltiplas configurações à de estruturar e transmitir informação através de entrosamentos quânticos, proporcionando formas vertiginosamente rápidas e extraordinariamente robustas de processar e comunicar.

Urge assim equipar os sistemas de informação e segurança de valências que consigam não só acompanhar os avanços quânticos, mas também ser resilientes perante ações hostis que sejam perpetradas com essas mesmas tecnologias. De facto, que segurança existe em termos comunicações interbancárias ou militares apetrechadas com tecnologias quânticas que já estão também nas mãos de organizações hostis? Há que levar o quantum sempre mais além.

Segurança Quântica: em busca da indestrutível privacidade

Em geral, na comunicação automaticamente cifrada e processada as partes comunicantes transacionam não só o conteúdo da mensagem per se mas também a cifra propriamente dita. Nos protocolos de comunicação tradicionais, tal expõe o processo à dependência de um veio de comunicação para fazer passar a cifra, bem como a um risco acrescido caso a comunicação da cifra seja interceptada. Ou seja, por mais resistente que seja a fechadura, por mais sofisticado que seja o seu mecanismo, de nada serve se a chave cair nas mãos erradas. Em analogia com o dia-a-dia, isto é um pouco como enviar pelo correio um cartão bancário e o respetivo código de utilização, o que mesmo tomando remessas distintas e sequenciais acarreta o risco de serem interceptadas por uma mesma entidade.

Em resposta a essa vulnerabilidade, a cifragem quântica faculta a segurança acrescida de a chave ser automaticamente desvirtuada mediante intercepção, porquanto o processo de observação do estado quântico de um sistema traduz-se numa interferência que o altera inexoravelmente. O observador externo fica assim sem possibilidade de conhecer a chave original.

De facto, ao efetuarmos uma observação de um processo quântico estamos a ver não a sua realidade original mas sim o resultado da interferência entre esta e o processo observacional. Isto porque em mecânica quântica o processo de “iluminação” do alvo para aferir as suas propriedades interfere com a sua própria condição física. Daí a observação em mecânica quântica ser sempre uma experiência de interferência ativa, não de leitura passiva, inviabilizando assim a manutenção da integridade do estado quântico do alvo a observar.

Naturalmente, nesse caso o receptor legítimo cuja “correspondência” foi interceptada também acaba por não receber a chave original, pelo que é comum enviar múltiplas instâncias da cifra de modo a que mesmo que algumas sejam interceptadas (e logo destruídas), algumas cheguem ao destino onde por design do protocolo de comunicação são acolhidas sem leitura (observação), sendo apenas utilizadas para “abrir” a mensagem cifrada que entretanto chegar.

Nesse sentido, assume particular relevância o recurso a cifras geradas e processadas pelos protocolos mais promissores em tecnologias quânticas emergentes – com especial destaque para a Distribuição de Chaves Quânticas (Quantum Key Distribution) – que articulam eficazmente valências da mecânica quântica e de geração de processos aleatórios, em plataformas diversas manipulando e articulando processos e interações de natureza fotónica, numa espécie de jogo quântico de “luzes”.

Deste modo a chave e por conseguinte o conhecimento da missiva encriptada tornam-se essencialmente inacessíveis mesmo a ataques perpetrados com as tecnologias quânticas correntes. Além disso, sendo estas geradas aleatoriamente e articuladas automaticamente dentro do sistema, evita-se a exposição à negligência, displicência ou mesmo dolo de natureza humana perante tais cifras.

Até a segurança quântica tem a sua “criptonite”

Todavia, nos dias que correm nem a Distribuição de Chaves Quânticas está verdadeiramente a salvo. Enquanto as entidades ligadas à banca, segurança, defesa, aeroespacial e outros sectores críticos navegam a crista da onda quântica, potências adversárias já preparam formas de as tornar tão ineficazes como deixar a chave debaixo do tapete à entrada de casa. Há assim que capacitar os super-sistemas quânticos para enfrentar a “criptonite” que os possa vencer.

A forma mais cabalmente prática e eficaz de combater vulnerabilidades – mesmo no mundo quântico que afinal não é invulnerável – passa claramente por ir ainda mais além, na direção de uma defesa além-quântica não-linear. Não por um acoplamento “Frankestein” entre quântico e não-linear naquilo que seria uma disfuncional manta de retalhos, mas sim por uma nova física sinérgica, coesa e integrada.

Imune à “criptonite” quântica, entra a Física Não-Linear

É precisamente esta nossa física sinérgica, coesa e integrada que mais nutrimos na cátedra e instituto a que presido em Viena. Uma Física é de todos e não é de ninguém. Aqui não há tribalismos nem verdades absolutas, mas uma coevolução permanente que nos permite continuar a aprender, conciliando o “irreconciliável”, desmistificando o “impossível” e trazendo-o à esfera da realidade exequível.

Estando ancorados na Áustria, terreno neutro mas atento e aberto ao mundo que nos rodeia, temos estado a preparar uma nova geração de física tecnológica de fronteira que passa por inovar em algo que ainda é inacessível ao mundo quântico per se: a capacidade de o alavancar e elevar à esfera do Não-Linear, a que aliás tenho dedicado muita da minha carreira pelos caminhos emergentes da Física de Sistemas Coevolutivos Complexos.

É já aliás não-linear além-quantum o entrosamento entre sensores da nossa constelação Meteoceanics QITES, captando processos e interações inacessíveis à instrumentação quântica tradicional. Como também o são os nossos equipamentos e protocolos de computação avançada, que não requerem as artificiais linearizações e demais simplificações operacionais inerentes tanto às plataformas físicas de computação clássica como quântica correntes.

Desenvolvendo a “Criptovacina” Não-Linear para a “Criptonite” Quântica

No âmbito da segurança, começámos por desenvolver formas de inspecionar e processar comunicação quântica por processos não-lineares não-invasivos, evitando espoletar o colapso quântico inerente à observação quântica tradicional.
De certo modo, é um pouco como inspecionar o teor de uma carta sem a abrir, sem quebrar o selo de segurança, sem que ninguém saiba o que se passou.

Deste modo, podemos intervir construtivamente sobre sistemas de informação e segurança, com vista a desenvolver “vacinas” que os permitam defender de ações hostis de entidades que também venham a desenvolver este tipo de solução.
Dando um exemplo simples: se “forrarmos” uma carta com opacidade pós-quântica, evitando que esta possa ser inspecionada sem abrir, o que fazemos passa essencialmente por dotar as missivas quânticas de um meio protetor que as protejam até das tecnologias mais avançadas.

Estamos assim em posição de administrar um tratamento preventivo que pega nas valências quânticas e as manipula no âmbito de uma física emergente, mais abrangente e geral, tirando partido das valências não-lineares de que as tecnologias quânticas correntes não dispõem, por o formalismo matemático da mecânica quântica comum ainda estar demasiado amarrado à álgebra linear. Não se trata todavia de invocar a mecânica clássica não-linear, mas um além-quantum de natureza não linear. Algo que exige proficiência tanto no mundo quantum como no não-linear, e uma reformulação profunda da física-matemática subjacente.

Munidos desta física emergente, os nossos sistemas ficam equipados com um novo formalismo, uma nova linguagem, uma nova plataforma cuja base não é decifrável por qualquer tecnologia da informação, clássica ou quântica, mas que tem uma nova área da física na sua génese formal e na sua base funcional. Sem prejuízo de todo o trabalho que ainda vai sendo desenvolvido nestas matérias, já vamos encetando aplicações em vários sectores de atividade relevantes para o dia-a-dia.

Alavancando Sistemas de Segurança pela Sociedade, do Cidadão à Nação

Assim sendo, por mais teoricamente profundo que seja o nosso trabalho, há que ter sempre em mente a necessidade imperiosa de facultar valor acrescentado à sociedade de que efetivamente fazemos parte. Não podemos ficar-nos por comissões, consórcios e projetos exploratórios a conceptualizar o futuro, quando o futuro constrói-se agora no presente. Metendo as mãos na massa, fazendo acontecer.

E por onde andamos nós a este respeito? Deixo alguns exemplos:

Sistemas de monitorização e emergência: capacitamos sistemas de monitorização e alerta precoce, comunicação e suporte à decisão, tornando as comunicações mais robustas e seguras entre agentes de proteção civil, forças de segurança e demais agentes no terreno. Para que a infraestrutura dos nossos beneficiários não vá facilmente abaixo durante ataques nem desastres naturais. E nem desarticule nem desampare quem se sacrifica no terreno.

Sistemas de segurança e de soberania: capacitamos sistemas de comunicação segura entre as entidades sobre as quais recai a responsabilidade pela manutenção do bem estar dos cidadãos, e da integridade e segurança das nações com que trabalhamos. Sabemos que forças potencialmente hostis nunca dormem nem esperam pelo próximo programa de financiamento para avançar. Nós também não.

Sistemas de comunicação quotidiana: capacitamos operadores de telecomunicações para que desenvolvam infraestruturas mais resilientes tanto ao escalamento da demanda de recursos por parte de utilizadores cada vez mais exigentes, como pela necessidade imperiosa de garantir a ubiquidade e permanência do acesso à infraestrutura pelos utilizadores.

Dito isto, estamos sempre a coevoluir com aqueles com quem colaboramos com energia e paixão. Já diz o velho ditado que “a necessidade aguça o engenho”. É por estarmos tão integrados na sociedade que com ela aprendemos o que precisamos de fazer. Depois então voltamos ao laboratório para criar soluções.

A nossa “criptonite” é a nossa própria saúde. Mas nem isso nos pode fazer baixar os braços. Enquanto vivermos, estaremos a aprender e a trabalhar. E estaremos sempre de braços abertos a quem se queira juntar a nós. É uma vida de grande sacrifício, mas ah, podem crer, vale a pena cada grito de dor e gota de suor. Bem hajam.