Perdigão, R.A.P. (2021): Tomando o Pulso QUântico ao Planeta. DOI: https://doi.org/10.46337/div.211115
© 2021 Rui A. P. Perdigão – All rights reserved
Arquivo de autor. Divulgação na SIC Notícias em 2021.11.15
Tomando o Pulso Quântico ao Planeta
A saúde do Planeta está na ordem do dia. Por toda a parte ouvimos relatos de furacões, sismos e erupções. De convulsões violentas da atmosfera às entranhas da Terra. De ondas térmicas febris, e mesmo de queimaduras graves e extensas. Sobe entretanto o termómetro com o passar dos anos, mas ali não é o mercúrio a dilatar. É a água do mar, que vai subindo e irrompendo pelas nossas costas.
O Planeta, como um Organismo, tem destas coisas. Umas mais ou menos cíclicas, outras de forma alguma. Faz parte da condição dinâmica de ser um sistema complexo em permanente evolução e não em equilíbrio. Onde a ação individual apenas pode ter impacto global se houver conectividade sistémica: que permita não só disseminar essa ação mas alavancá-la de forma sinérgica, produzindo um efeito transcendente ao contributo das partes. Emergindo a causalidade sistémica de todos e não de alguém em particular.
Qualquer patologia planetária é assim não atribuível somente à ação de um agente específico ou à justaposição de agentes mas à coevolução sinérgica entre todos os agentes participantes na dinâmica do sistema. Produzindo assim um efeito coletivo que transcende a soma dos contributos individuais, sendo desproporcional à magnitude de qualquer ação individual. É por isso que para tratar tal patologia não basta tentar eliminar perturbações específicas que pareçam estar na sua génese, mas antes abordar o sistema como um todo.
Desvendando a ordem no caos
A complexidade de um organismo sistémico envolve uma fascinante dança entre ordem e caos. Em que uma perturbação pode propagar-se com ferocidade epidémica, bebendo da energia e conectividade do sistema. E ao mesmo tempo dissipar o pulso que lhe deu origem, devolvendo a energia contraída ao entorno sistémico. Bebendo do cosmos para produzir caos, e do caos para produzir cosmos.
Nascem assim as estruturas dissipativas, a ordem no caos, desde os regimes de circulação oceânica e atmosférica, às estruturas ecossistémicas e sociais. Desde a termodinâmica cosmológica que dá pulso ao fluir dos tempos, à emergência fundamental das mais variadas formas de vida. Assim o é na saúde, e na doença.
Como é natural, quando a doença emerge, pode parecer que o mundo vai acabar, quando na realidade o sistema, o organismo, já tem em marcha os seus mecanismos internos de auto-defesa. No entanto, por vezes são precisamente tais mecanismos que geram os sintomas mais agressivos. Por exemplo, perante um excesso de energia térmica nos oceanos e atmosfera relativamente à sua variabilidade natural, o sistema climático aptamente reforça o “ar condicionado”. Que na prática se traduz no reforço de estruturas dissipativas como tempestades violentas, quais mecanismos de optimalidade termodinâmica para erodir o excesso de energia da forma mais expedita, maximizando a taxa de produção de entropia. O que no terreno se traduz na maximização da ferocidade destrutiva do temporal a nível individual, e no aumento da frequência e persistência dos temporais extremos a nível coletivo.
Perante situações complexas onde as maleitas até podem interferir umas com as outras e com os tratamentos, e onde o que parece óbvio pode perigosamente desviar a atenção das reais causas, há que recorrer a meios complementares de diagnóstico. Preferencialmente não-invasivos, de largo espectro e resolução, para termos uma visão mais geral e concreta do que se está a passar.
Do Sonho ao Engenho
Em tempos, estava eu deitado dentro de um de tais equipamentos complementares de diagnóstico médico, do qual emergiu uma figura volúmica do meu universo orgânico interior. Não apenas um momento instantâneo a três dimensões, mas uma sequência ao longo do tempo. E lá deitado pensei: porque não criar uma tecnologia algo parecida para tomar o pulso ao planeta, desde o íntimo mais profundo ao seu eco cósmico?
Ainda tentei partilhar a ideia com os técnicos que me estavam a assistir, mas mandaram-me ficar quietinho. De corpo, fiquei. Mas a mente a carburar – engraçado, isso eles não notaram.
Volvidos uns anitos, muitas voltas e contravoltas, a ideia materializou-se. Com muito trabalho e sacrifício, mas valeu bem a pena! Sempre aprendi que para o nosso povo madeirense, “humilde, estoico e valente”, não há desafios intransponíveis. Desde levadas rasgadas na rocha dura, à conquista do infinito, da cultura ao desporto, da ciência à inovação.
As novas tecnologias que concebi aliando física da complexidade, gravitação e mecânica quântica já estão finalmente operacionais, a tomar o pulso quântico ao nosso planeta, numa constelação de sensores em domínios tão diversos como o fundo do oceano e as profundezas do Espaço. Nasceu a nossa Constelação Meteoceanics QITES – Quantum Information Technologies in the Earth Sciences. Uma iniciativa independente, sem subsídios, sem vassalagens. À moda antiga, partindo pedra e fazendo acontecer. Não é milagre, não é magia: é Física Tecnológica.
Decifrando a Pedra no Charco Cósmico
Imaginemos o espaço cósmico representado na superfície de um lago. Sempre que algo se move, gera ondinhas pelo espaço fora. Ao passarem por sensores estrategicamente localizados, as ondinhas vão por eles ser detectadas. Sendo que no lago são perturbações superficiais, e no espaço perturbações volúmicas.
Seja a Terra um barco a flutuar nesse lago. Quando ela “soluça” como seja no âmbito de uma de suas “enfermidades”, dela emanam ondas em todas as direções, como se uma pedrada no charco se tratasse. Qualquer fluxo ou perturbação geofísica é passível de gerar tal efeito. Seja na fase precursora que leva à emergência de sismos e tempestades, ou mesmo em movimentações de massa nos oceanos, na atmosfera, em terra, e mesmo no seu interior.
Enquanto que tais perturbações se propagam à velocidade do som no meio mecânico da Terra, também geram perturbações na estrutura fundamental do espaço-tempo, que se propagam muito mais rapidamente, à velocidade da luz. São essas ondas que irrompem pelas profundezas gargântuas do planeta em todas as direções, ecoando a pedrada geofísica pelo lago cósmico.
A constelação Meteoceanics QITES está dimensionada para captar e caracterizar flutuações do espaço-tempo, mesmo as mais subtis ao nível quântico, através da sua interferência com as propriedades quânticas dos sensores e dos seus entrosamentos. Detetando-as a níveis inatingíveis pelos meios e sensores tradicionais, antes de os fenómenos nestes se manifestarem.
Na sua dinâmica, a constelação articula sinergicamente a nossa orquestra de sensores: na Terra, novos traçadores de flutuação quântica em fluidos geofísicos, tanto em regime livre como via cabos submarinos; e no Espaço, a nova constelação hipergeométrica de satélites quânticos apta a captar perturbações de índole eletrodinâmica como gravitacional. Incluindo as emergentes do interior da Terra.
As perturbações coordenadas captadas com a passagem das ondinhas espaço-temporais permitem aferir o grau e natureza da perturbação, bem como localizar as suas fontes. Ao contrário dos sensores tradicionais, as imagens obtidas na nossa vertente gravitacional quântica são um filme 4D, com precisão e subtileza quântica nas três dimensões espaciais e ao longo do tempo. Assim, ao invés de ter imagens estáticas plasmadas num mapa bidimensional, temos uma aferição volumétrica da dinâmica do planeta, em tempo real, com detalhe quântico local e cobertura global. O que nos permite uma visão multi-escala plena e dinâmica das ondas espaço-temporais que emanam das profundezas e não apenas manifestações de superfície.
Discernindo as múltiplas “vozes” do planeta
Na vida real, há inúmeras pedradas geofísicas no charco cósmico, de todos os tamanhos e feitios. A perturbação sentida pela constelação de sensores é assim um compósito de múltiplas perturbações, não só da Terra mas de tudo o que lhe chega de outras dinâmicas no Cosmos.
Discernir os diversos contributos cuja interação compõe o sinal captado pela constelação seria relativamente simples se se tratasse de processos trivialmente separáveis como as vozes de várias pessoas a conversar numa sala. Neste sentido, a constelação atuaria como um conjunto de microfones captando, cada qual, uma mistura de contributos vocais, e o processo de análise seria simplesmente processamento de sinal na acepção tradicional.
No entanto, a dinâmica complexa inerente ao sistema Terra contém coevolução não linear incluindo em processos dissipativos, irreversíveis e dos quais resultam compósitos não trivialmente separáveis. É um pouco como pegar num cappuccino e tentar recuperar os ingredientes que lhe deram origem embora já tivessem misturado e reagido irreversivelmente e com isso deixado de existir enquanto entidades autónomas. Ali já não há café, nem leite, nem creme, mas um novo fenómeno que é mais do que a soma de tais partes. Como discernir os processos que lhe deram origem?
Aqui entra a nossa física da complexidade coevolutiva, para discernir as fontes de perturbação e as suas interações. Não só as que o processamento de sinal tradicional permite discernir, mas também aquelas que entram na esfera profundamente não linear. Não só composição trivial de eventos individuais que nas abordagens lineares são tratados como separáveis, mas também eventos compostos e poliádicos envolvendo a sinergia de vários fenómenos com interações complexas resultando em algo extraordinariamente mais impactante do que a soma de tais eventos.
“Ouvindo” a Natureza, detectando precocemente o que está para vir
Na prática, a constelação capta não apenas as vozes numa sala, ou os instrumentos de uma orquestra, mas a sinfonia que dela emerge como um todo de forma sinergética integrada, bem antes que tal seja detectável por qualquer sensor tradicional. Porque capta o “relâmpago” em vez de esperar pelo “trovão”. O que em termos de sismos e tsunamis pode fazer toda a diferença.
Isto é de especial relevância no tocante à orquestra geofísica, articulando sinais precoces de fenómenos de diversos tipos, síncronos ou assíncronos, numa sinfonia que permeia por entre múltiplas escalas no espaço e no tempo. Incluindo a emergência de sinais precoces de questões da ordem do dia como ondas de calor e de frio, de ciclones e anticiclones, de cheias e secas, bem como a sua articulação na coevolução planetária, permitindo assim trazer valor acrescentado a sistemas de prevenção, previsão e suporte à decisão e ação.
Uma vez munidos de tal valor acrescentado, os profissionais que estão no terreno têm a possibilidade real de tomar medidas que contribuam para salvar vidas. Como por exemplo na prevenção de sismos, tsunamis, tempestades e outros desastres naturais. Bem como questões mais gerais relacionadas com localização e caracterização de recursos naturais, de estruturas geofísicas e mesmo de infra-estruturas de engenharia.
Hoje estamos em posição de tomar o pulso dinâmico ao planeta aliando física de sistemas complexos, gravitação e mecânica quântica, na Terra e no Espaço. A constelação Meteoceanics QITES é mais que um estetoscópio cósmico sentindo o pulsar do planeta. É toda uma visão dinâmica de índole quântica gravitacional, perscrutando o planeta do seu íntimo profundo ao que dela emana rumo ao firmamento. E perscrutando o firmamento, sentindo o pulsar cósmico emergente das profundezas do espaço, quem sabe mesmo da aurora dos tempos.